sábado, 26 de janeiro de 2008

PRECONCEITO CONTRA OS CORRETOS



A gente cria as filhas com o melhor pediatra, aparelho nos dentes, disco da Xuxa, curso de inglês, natação, aulas de ballet, escola particular, o melhor xampu, para depois elas se apaixonarem por um cara de boné, sem um dente na frente, e que fala “nóis peguêmo!”
O nosso sonho era que o namorado da nossa filha fosse sócio majoritário da Microsoft, visse nela a reencarnação de Nossa Senhora e achasse o sexo discutível até mesmo para a procriação.
Entre o nosso sonho e a realidade gelada, a gente até já pede para deus, nosso senhor, que o cara trabalhe, nem que seja no Mac Donald’s, não bata nela seguidamente e que sua tara sexual seja um pouco controlada.

É preciso repudiar toda a forma de preconceito, até mesmo a política (pasmem), mas que há um preconceito muito forte, que ninguém nunca comenta, que cresce cada vez mais, que já se eterniza, que é o preconceito contra os corretos. Coitado dos corretos.
Eles disputam as vagas com caras que ficam o dia inteiro jogando futebol, bronzeados, sem a menor chance de rugas e cabelos brancos, uma vez que sua maior preocupação é saber quanto ganha por mês o lateral direito do Corinthians e além de tudo tem uma completa despreocupação com o romantismo, chamando todas as meninas de minha gostosa, enquanto os decentes se apresentam para a batalha com a pele mais branca do que a neve, com cabelos grisalhos, com gagueira, óculos mais grossos que garrafão de vinho e o máximo que conseguem ousar é a simples tentativa de pegar na mão da menina no terceiro mês de noivado.

Que disputa desigual, enquanto os de bonés chegam na casa do sogro, sem camisa e com bermuda cheia de bolsos, só para levar salgadinhos, pois nem documento carregam, conversando mais que camelô desempregado, os da pele de camarão sentam no sofá, com as duas mãos nos joelhos, parecendo o Clark Kent e ficam calados por exatos 703 minutos.

Eu tenho regras e princípios norteadores, embora eu more no sul e, se eu puder deixar uma lição para a posteridade, lhes deixo a seguinte:
-Minha filha : Não evite namorar caras de boné.
Sérgio Lisboa

CRÔNICAS

Um dia eu tive um plano genial. Decidi ser escritor. Não um escritor de romances, um erudito, um poeta, nada disso. Um escritor de crônicas. È, um escritor de crônicas. Dessas que se publica em jornais e revistas, que falam do cotidiano e quase sempre são engraçadas. Eu sempre achei ótimo aqueles caras escreverem o que pensam, debochando de todo mundo, incutindo suas idéias, poupando analista, liberando a bílis, sendo reverenciado e ainda por cima ganhando uma boa grana por isso. Então eu resolvi : vou ser escritor de crônicas.

O primeiro passo foi ler algumas crônicas, de alguns escritores já “conceituados”, para ter alguma idéia da forma como os assuntos poderiam ser abordados e até mesmo para adquirir noções sobre a quantidade de frases e linhas que se utilizam normalmente. Descobri que uma crônica tem de 30 a 60 frases de cinco a dez palavras por frase cada e é claro, tem um início, um meio e um fim.
Até aí não tem nada de absurdo se você deixar de lado o fato de que o assunto, com esse número de frases, de palavras, com início, meio e fim, tem que ser, eu diria pelo menos, um tanto quanto genial.
Tà bom. Se fosse fácil até o Presidente faria. Eu falei no início que queria ser um escritor de crônicas, com todas as vantagens que a atividade proporciona, agora ser um bom escritor é outro assunto. Dá um tempo.

Superada essa fase de baixa auto-estima, veio outra preocupação: se eu escrever algumas crônicas, como eu vou publicar? Quantas crônicas eu devo fazer para iniciar essa nova carreira? Foi aí que surgiu uma nova idéia: fazer 365 crônicas. Por que 365 ? Porque eu estaria garantindo para quem quisesse me contratar, um ano de publicações já prontas, se fosse uma publicação diária, sete anos se fosse semanal e trinta anos se fosse mensal.
È claro que, nesta ultima hipótese, nós já teríamos o tele-transporte e comidas em cápsulas e minhas crônicas ainda se refeririam aos congestionamentos que as carroças proporcionam em frente ao mercado público. Mas isso é outra estória.

Pensando bem, vou considerar essa nossa conversa como minha primeira crônica e, jornais do mundo, me aguardem, pois agora só faltam 364.
Sérgio Lisboa

ARROZ, FEIJÃO E TV A CABO

Todo mundo sempre fala que devemos ter prioridades, no nosso trabalho, nos nossos estudos, na nossa vida pessoal – prioridade é a palavra de ordem.
Mas o que é realmente prioritário? O que é prioritário para mim pode não ser prioritário para o outro. O que foi prioritário para a Madre Teresa pode não ter sido prioritário para o político (é só um exemplo, sem nenhuma conotação).
Para mim o que é prioritário na minha vida pessoal, mas especificamente na minha vida doméstica é: arroz, feijão e TV a cabo. Isso mesmo: arroz, feijão e TV a cabo. O arroz e o feijão são bastante óbvios nos motivos de sua importância, uma vez que são alimentos básicos, baratos e completos. Já a TV a cabo se tornou uma prioridade vital para mim, pois não consigo mais me imaginar vivendo sem ela, com a programação disponível na TV aberta, principalmente nos finais de semana.
Essa mistura de prioridades de algo tão acessível como o arroz e o feijão (será que é tão acessível?) com algo mais elitista como a TV a cabo, é porque minha saúde mental é tão importante quanto minha alimentação e para conseguir pagar eu troco a TV a cabo pela carne, pelo cinema, pelo biscoito, pelo refrigerante, etc.

Depois que conheci a TV a cabo, me sinto como Keanu Reeves, em Matrix, cuja vida real está em outra dimensão e não o que a maioria assiste pensando que é a vida real (alguns até conseguem furar o bloqueio da Matrix, com ligações clandestinas, como que tentando uma revolução contra os Smiths).

Na segunda-feira, quando chegamos ao serviço, o assunto é sempre a reportagem do Fantástico, o último capítulo da novela e a desclassificação daquele casal na dança dos artistas. Eu me sentia como um ET, sem ter como comentar os assuntos abordados, pois não assisti nada daquilo.
Surgiu então, uma idéia infalível para não parecer um ET na segunda-feira, se alguém te fizer essa pergunta: - você viu o Fantástico ontem? Você olha com uma cara de superioridade e diz: - Que dúvida! Ainda mais ontem que o Fantástico estava muito mais fantástico.
Sérgio Lisboa

A EXPLICAÇÃO PARA OS SONHOS



Uma noite antes de dormir minha mulher ficou brigando comigo por eu não ter pago o carnê com a prestação das Lojas Manlec, que eu havia esquecido. Era para ser só uma reclamação, mas eu tive a infeliz idéia de fazer um comentário cínico no meio da discussão. Prá quê? A mulher virou um bicho e a discussão virou uma briga séria, tão séria que, não tendo outra alternativa, tomei uma atitude drástica, atitude que todos os homens, se não tomam deveriam tomar, quando não há mais recurso numa discussão entre o casal: fui dormir.

Pelo menos nos meus sonhos eu posso tomar minhas próprias decisões e ninguém vai se meter com a minha vida, afinal se um homem não tem condições sequer de sonhar, então ele não é um homem é um animal (animal não sonha, não é?). Por favor se alguém já viu na internet que os animais também sonham, fiquem quietos senão eu não termino essa crônica.

Pois bem, o meu sonho naquela noite foi sublime. Eu estava num grande salão, com muito luxo, gente bonita, drinks e, junto ao piano estava cantando ninguém menos do que o Agnaldo Rayol (é aquele mesmo dos agudos fantásticos), numa performance belíssima, soltando a voz, ali do meu lado, sem palco, no mesmo nível do salão e só eu chegou perto dele para vê-lo terminar aquela canção de forma apoteótica. Quando ele terminou a canção, num de seus maiores agudos que já fora testemunhado, ele simplesmente se virou para mim, deu um sorriso e perguntou: tu já pagou a Manlec?
Sérgio Lisboa