quinta-feira, 29 de janeiro de 2009



O MAGRÃO DO IAPI
(Sérgio Lisboa)
Eu nasci e cresci em Porto Alegre. Sempre no Bairro IAPI. Um bairro construído para trabalhadores, no caso, os industriários. Foi o primeiro conjunto habitacional do Brasil. Até hoje - ele que foi tombado - mantém praticamente as mesmas construções da década de quarenta. Foi o bairro onde cresceu também a grande Elis Regina.

O IAPI era um bairro de roqueiros, grandes cabeças criativas e, lógico um bairro onde a maconha tinha um lugar de honra. Tudo numa boa e pela paz e o amor. Enquanto isso os Estados unidos invadiam o Vietnan e os militares tomavam o poder.
A grande maioria dos seus moradores passou a ser de funcionários públicos. Um bairro ótimo de se morar. A metade da população com a tranqüilidade de um funcionário público e a outra metade completamente zen, curtindo os efeitos da canabis.

Meu pai e minha mãe eram funcionários públicos federais. Herdei deles o gene da estabilidade e da calma ao iniciar uma tarefa. Herdei deles, principalmente o gene de nunca pegar o que não é meu. Considerando que, se fosse também um funcionário público - o que acabei me tornando - o emprego estaria sempre garantido. Eles me ensinaram que com um emprego estável me restava apenas garantir um bom sono e uma boa consciência através da honestidade.

O IAPI tinha muitas figuras. Uma delas era o Magrão. Descrever o Magrão fica muito mais fácil se eu disser para vocês que ele era a cópia fiel do Azambuja, aquele personagem do Chico Anísio. Aquele personagem muito malandro que está sempre tramando uma jogada. Não é o Justo Veríssimo, o político, embora sejam muito semelhantes.
O Magrão era o Rei do 171. Não tinha para ninguém.
Ele tinha uma jogada que sempre funcionava e que tenho que admitir era ótima. Obviamente, ele com seus trambiques, tinha atrás de si muitos credores e gente querendo encontrá-lo para reaver seus “investimentos”.
Quando o inevitável acontecia e ele cruzava com algum credor numa esquina, principalmente em uma esquina do centro da cidade, lotada de pessoas, quando, para qualquer mortal era o momento mais temido de suas vidas, ele pulava na frente e já gritava: “Qual é a sua? Estive lhe procurando a semana inteira para pagar o que devo e nunca encontro!! Assim você atrapalha a minha vida!”
O credor espantado com aquela atitude e envergonhado com aquela situação vexatória diante de milhares de testemunhas, baixa a cabeça, baixa o tom de voz e pedindo desculpas diz que estará esperando o pagamento dele da próxima vez.

O Magrão era uma figura. Ás vezes eu penso que ele fez escola, principalmente com o Governo quando vêm para cima de nós, pobres contribuintes fisgados e confiscados, alegando que a culpa é toda nossa por qualquer crise que passamos e que viermos a passar, quando enriquece cada vez mais a si e a sua prole por gerações e, ainda assim consegue que nós baixemos a cabeça, o tom de voz e aceitemos uma redução de salário para ajudar a enfrentar a crise (ele não repartiu a lagosta quando o mercado estava em alta).

Eu tenho muitas histórias mais do Bairro IAPI que pretendo contar e acho que aprendi muito com todas aquelas figuras e, um pouco graças a elas, passei a entender melhor o que se passa diante de todos nós nos tempos atuais quando relembro daqueles personagens.
Vai ver que foi o aquele ar enfumaçado que me fez minha cabeça raciocinar ao contrário.