quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

SOMOS LIXO?






(Sérgio Lisboa)
Uma das questões mais básicas que sempre voltam aos debates mais polêmicos é sobre qual o exato momento em que começa a vida. Para o trabalhador brasileiro parece que ela não vai começar nunca, pelo menos dignamente. Nestes casos a posição oficial fica por conta da Biologia embora a Filosofia fique em volta, com um cálice de vinho, dando pitacos o tempo todo. E a Igreja com seus cálices e anéis, também. A Biologia, entre suas várias correntes define como mais aceita a hipótese de que a vida se inicia com a fecundação. Pronto. A fecundação. Aquele momento mágico que acontece alguns dias após o homem cair extasiado e abatido sobre o corpo suado e (nem sempre) satisfeito da mulher. A Igreja também concorda que é a partir daí que a vida começa bem como a existência da alma.

Outros dizem que a vida começa quando o ser humano reconhece a diferença entre si e os demais, ou seja, ao longo dos primeiros meses após o nascimento. Daí já é tarde e já estão com uma faca em nossas costas.

O Catolicismo desde o século IV condena o aborto em qualquer estágio e em qualquer circunstância, permanecendo até hoje como opinião e posição oficial da Igreja Católica. A Igreja considera que a alma é infundida no novo ser no momento da fecundação, proibindo o aborto em qualquer fase já que a alma passa a pertencer ao novo ser no momento preciso do encontro do óvulo com o espermatozóide. A punição para quem pratica o aborto é a mais pesada em vigor no catolicismo que é a excomunhão.

Por outro lado, numa decisão bem menos celestial, o Conselho Federal de Medicina através de uma Resolução Normativa no ano de 2000 determina que os fetos natimortos ou mesmo bebês que nasceram com vida e morrem no hospital, somente precisam atestado de óbito os que nascerem com vinte semanas, ou com quinhentos gramas ou com vinte e cinco centímetros de comprimento. Os demais são registrados junto às peças de patologia cirúrgicas, sem atestado.
São descartados junto às vesículas cancerosas, às gorduras lipo-aspiradas, às pernas amputadas e às gazes ensanguentadas.
Passam a ser lixo hospitalar.

Eu gostaria de saber onde fica a alma dos bebês que não se enquadram naqueles índices de tempo, peso e medida? As almas os abandonam, pois os mesmos não se ajustam a Resolução médica? E a Igreja, o que acha desta Resolução?

A notícia que chamou muito a atenção neste início de ano, depois dos banhos de mar do Presidente foi sobre a menina encontrada com vida pela faxineira do hospital em São Paulo, dada como morta e esperando para ser recolhida como lixo hospitalar, seguindo a Resolução do Conselho. A discussão agora, além do erro na constatação da morte, é sobre o fato de que houve erro também na classificação da menina como lixo, uma vez que ela tinha setecentos e cinquenta gramas, merecendo ser tratada como ser humano.

A faxineira que achou a menina e providenciou socorro não foi atendida no primeiro momento, pois os médicos não acreditaram nela. Faz pensar se outras faxineiras bem menos determinadas, em casos semelhantes, não desistiram na primeira chamada.

A menina foi registrada com o nome de Giovana Vida. Uma homenagem a vida e um alerta vivo sobre como ela é tratada.
Eu penso que será preciso explicar para a Giovana, desde logo, o porquê que para ser faxineira não é preciso diploma.