sexta-feira, 6 de junho de 2008

O DONO DA FILA

Bem cedo ele já estava na porta do órgão público.

Conseguiu, finalmente ser o primeiro.

Até que enfim ele seria atendido, depois de meses de espera.

Quantas vezes havia chegado na fila e ser surpreendido com cento e vinte pessoas na sua frente, para um número de quarenta fichas.

Ia embora desiludido e pensando como seria o desfecho daquela situação com as oitenta pessoas que não iriam conseguir uma ficha.

A sua chance seria somente se, um dia, ele conseguisse chegar bem cedo, na frente de todo mundo.

E foi o que ele fez.

Nem dormiu naquela noite e no meio da madrugada ele já estava acampado em frente à porta do prédio.

Aquela porta que era tão cobiçada. Aquela porta que era tão distante de um mero ser humano. Aquela porta que era tão intransponível, que parecia até a porta do paraíso.

Lá estava ele, o primeiro e único homem que havia chegado àquela porta, naquele dia.

Como um desbravador de continentes perdidos, de planetas, nunca dantes explorados, lá estava ele.

O primeiro e único.

O escolhido.

O dia já ia amanhecendo quando um outro concorrente foi chegando com aquele olhar para ele de surpresa. Aquele olhar de quem se pergunta: como ele conseguiu essa façanha?

Mais outro foi chegando, com aquele mesmo olhar.

E mais outro. Para todos eles ele dava uma virada rápida de pescoço, um suspiro e levantava a cabeça como faziam os gladiadores sobreviventes do Coliseu, com um olhar firme de superioridade, fixo para o céu.

Ele era um vencedor!

Até que se apresentou um adversário a altura.

Um fura-filas. È o pior adversário para quem enfrenta uma maratona em uma fila: um fura-filas.

O “modus operandi” deste profissional do caradurismo sendo demonstrado ali, ao vivo, diante dele, sem cortes ou efeitos especiais.

Chegou com a cara séria, com os passos firmes e foi direto para a porta, lá na primeira vaga da fila.

Realmente o cara era bom. Um profissional de respeito. Só que ali estava ele, o cara que não ia permitir que isso fosse feito bem nas suas barbas.

Pegou o fura-filas pelo cangote, puxou com força e mandou ele lá para o fim da fila.

O fura-filas, é lógico, tentou argumentar, mas ele, que não era bobo, não deixou ele sequer abrir a boca (sabia de seu poder de persuasão) e empurrou-o lá para trás.

O destino, sempre cínico e debochado, desenhou para ele, naquele dia, que ninguém apareceu para abrir a porta.

Seria feriado? Seria greve dos funcionários?

Foi quando, chegando quase ao fim da manhã e todos já, mais do que indignados, resolveram até, não tendo mais paciência nem voz, deixar (pasmem!) o fura-filas falar.

Ele, com aquela empáfia de um verdadeiro fura-filas profissional, apenas disse:

- Eu sou o atendente deste órgão público e o responsável pela chave e abertura do mesmo.

Eu apenas cheguei pela manhã para abrir e atender a todos vocês, mas fui jogado para o fim da fila, sem deixar que eu falasse.

Como já terminou o turno de atendimento, eu peço que os senhores voltem amanhã, bem cedo, para pegarem suas fichas.

Sérgio Lisboa.