segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O VALDIR DO IAPI



O Valdir sempre foi um cara muito feio. Muito feio não é a definição adequada. A comparação mais perfeita para descrevê-lo era um cara com o corpo do corcunda de Notre Dame e a cara do Chucky, “O Brinquedo Assassino”. Ele não era o corcunda de Notre Dame completo com corpo e a cara porque a cara do corcunda de Notre Dame até que era bonitinha. Além do mais ele tinha uns olhos claros iguais aos do Chucky. Ele era muito feio. Ele já era feio quando estava arrumado para uma festa, imaginem como ele era no dia-a-dia despreocupado com a aparência.
Aliás, ele arrumado para uma festa era uma...uma..festa. Os sapatos eram sempre o mesmo par, três números menores do que o pé dele, sapato que achara um dia em uma esquina, junto a um despacho com galos pretos, velas, cachaça e umas moedas.
Ele se apaixonou tanto pelo sapato que naquele mesmo dia usou as moedas do despacho para pagar um engraxate e comemorou o seu achado bebendo uma garrafa de cachaça com o mesmo engraxate. As velas do despacho ele guardou para encerar o sapato quando tivesse que usá-lo.
A ponta do sapato, por ser bem apertado, ficava dobrada para cima, o que pelo menos facilitava para o Valdir quando ele dançava sozinho no salão girando nas pontas do sapato numa dança frenética, mais louca que Elvis Presley ou Michael Jackson, não importando o ritmo da música. Podia ser um samba ou uma valsa que o Valdir dançava sempre no ritmo alucinado do rock and roll.
A camisa que ele usava para ir à festa era a mesma camiseta surrada de futebol que ele usara a tarde inteira jogando pelada no campo. A calça também. Sim, a calça. O Valdir nunca usava calções para jogar futebol. Jogava sempre de calça.
Achar o Valdir no baile não era muito difícil, bastava procurar pelo corcunda de Notre Dame, com a cara do Chuky, com a ponta dos sapatos virada para cima e vestido de centro-avante.
O Valdir era um grande personagem que jogava futebol no campo do Alim Pedro, no IAPI. Vocês devem estar pensando que ele usava os mesmos sapatos para jogar futebol? Não, nada disso! O Valdir jogava futebol de pés descalços. Nas pontas de cada dedão tinha umas unhas pontudas que mais pareciam uns sabres. Eu sempre quis saber como aquelas unhas duras e compridas conseguiam se dobrar para acompanhar o formato do sapato. Cada vez que o Valdir ia dar um chute na bola todos temiam, não pela potência do chute, mas sim com medo dele acabar com o jogo, furando a bola com aquelas unhas. Felizmente isso nunca aconteceu, até mesmo porque o Valdir dava uns efeitos na bola nunca vistos, batendo sempre com o lado do pé. Ele não era bobo. Não iria querer acabar com o jogo.
Uma das coisas que mais me chamava atenção na personalidade do Valdir era a sua capacidade de se divertir jogando futebol. Todo lance que não dava certo para o adversário ou para o seu próprio time arrancava gargalhadas dele. Até mesmo quando dava um drible desconcertante no adversário, ao invés de continuar a jogada e marcar o gol, ele se jogava no chão com as mãos na barriga e rolava de rir do drible que realizara. Era isso que importava: rir e se divertir.
Podia ter o corpo do corcunda, a cara do Chucky, os sapatos tortos, as unhas compridas, mas ele ria e se divertia com tanto prazer que causaria inveja a qualquer galã de cinema com suas belezas, manicures e roupas maravilhosas. Fazer as coisas com alegria e por diversão é mais importante do que fazer por resultados. Mesmo porque o resultado final que todos nós queremos depois de trabalhar, depois de conquistar, depois de ganhar dinheiro é ter alegria e diversão.
O Valdir apenas atalhava o caminho e convivia o tempo todo com a alegria.