domingo, 11 de maio de 2008

DESLUMBRAMENTO

Participei de uma palestra em que um dos maiores especialistas em engenharia de tráfego e acidentalidade, sendo constantemente chamado para dar seu parecer sobre as possíveis causas de acidentes, ao contar um episódio sobre um acidente em que um ônibus saíra fora da estrada, veio com uma conclusão no mínimo curiosa: o acidente aconteceu por deslumbramento do motorista.

Isso mesmo! Deslumbramento!

Ele contou que uma de suas técnicas é estar no local no mesmo horário e condições climáticas do dia do acidente.

Aquele acidente havia acontecido às sete e meia, quando o sol estava aparecendo bem de frente para o motorista, no horizonte, e era um lugar onde o sol ficava ainda mais bonito, como um quadro pintado a nossa frente.

O próprio especialista confessa que esqueceu por alguns instantes o seu ofício e ficou a contemplar aquela maravilha da natureza.

Concluído o seu relatório, lá estava grafado no papel como causa provável : “Deslumbramento do motorista com o cenário do local”.

Não sei dizer se o motorista foi condenado por essa falha inadmissível para um ser humano, que é se deslumbrar com a natureza, mas de qualquer forma foi encontrada uma causa para o acidente.

Eu acho que poderia usar esse episódio para outras situações em que falhamos tais como:

Se chegar atrasado ao serviço posso alegar extasiamento com o sonho maravilhoso que estava tendo.

Se falo mal do governo, posso alegar aturdimento pelas decisões deles.

Se chego tarde em casa, e a minha mulher briga comigo, posso alegar assombramento constante.

Se brigar com a minha sogra, posso alegar falha no encantamento (da serpente).

Se brigo com o meu chefe posso alegar ofuscamento do meu brilho.

Se sou flagrado olhando para os seios de uma mulher, posso alegar deleite.

Quanto aos governantes, para qualquer caso em que são surpreendidos em alguma situação embaraçosa, têm uma gama muito grande de alegações tais como: marasmo, debilidade, fraqueza, apatia, paralisia, fascínio (por enriquecimento), estagnação e, a mais utilizada delas, o desconhecimento.

Sérgio Lisboa.

ESPERAR QUEM NÃO VEIO



Uma das coisas mais patéticas, tristes, melancólicas, solidariamente constrangedoras, é a espera de alguém que não veio.



Todas aquelas expectativas, todo aquele aparato, todo aquele preparo, toda aquela dedicação, nunca antes feita, nem para nós mesmos, ficam ali a nos olhar como que mostrando o quanto somos extremamente dedicados e detalhistas para construir nossas próprias decepções.



Quando ficamos esperando somente um telefonema ou um encontro em algum lugar da cidade, ainda é um trauma um pouco menor do que quando preparamos um jantar especial, cheio de detalhes, chegando às minúcias de colocar até perfume na maçaneta da porta.



Aí, o prejuízo sentimental é bem maior.


Ficamos com a sensação de que não somos importantes, de que estamos sempre disponíveis e, por isso mesmo, somos descartáveis.



Aquela mesa de jantar maravilhosa vai desbotando à nossa frente, as flores murchando aceleradamente, parecendo uma mesa de jantar de um navio naufragado, no fundo do oceano, misturada com lama, ferrugem e tristezas.



A gente só lembra de um momento desses quando nós somos as vítimas desse abandono, dessa descortesia, dessa desconsideração.



Muitas vezes, talvez, tenhamos feito para alguém, essa mesma coisa que tanto detestamos, tido essa mesma postura, marcando alguma pessoa, um dia, com o ferro quente do descaso e do esquecimento.



Seja sem intenção, apenas porque surgiu um imprevisto, seja por deliberada vontade de fazer alguém não se sentir bem.


O sentimento de quem fica a esperar é muito duro.


Muitos tiram isso de letra e se sentam à mesa e jantam sozinhos, mais felizes ainda, por não ter que repartir a sobremesa.


Eu considero a melhor forma de encarar uma situação dessas para não se deixar afetar muito por comportamentos das outras pessoas e manter sempre, a auto-estima elevada.



Se alguém, um dia te der um “bolo”, enfie uma vela nele (no bolo) e comemore mais uma oportunidade de ficar consigo mesmo e, quando for cortar a primeira fatia, não se esqueça de fazer um pedido: que cada “bolo” que levar nessa vida sirva para comemorar a mais perfeita sintonia de amor e dedicação que conhecemos, que é a que temos por nós mesmos.


Sérgio Lisboa.