sábado, 16 de fevereiro de 2008

EM QUE VOCÊ É BOM?

Durante toda a nossa vida, escutamos que temos que ser bons em alguma coisa.
Eu sempre achei que eu era bom em dormir. Poderia ser um personal sleeper. Ensinar todas as técnicas de virar para o lado, quebrar o despertador, esquecer compromissos, dormir em dias chuvosos, como evitar morder a fronha (muito importante), etc. Essa sempre foi a minha vocação. Mas a profissão já estava saturada pela concorrência dos fiscais da Amazônia.
A gente tem que se especializar.
Especialização, é a palavra de ordem. Não seria a palavra de ordem a multi-funcionalidade ou as multi-especializações?
É difícil se saber, pois estas tendências, mudam a cada edição da Revista Veja.
Eu acho que a última coisa que eu li a respeito, me parece, referia o surgimento no mercado do super-multi-hiper-eu é que sei-sênior.
Este profissional contempla todos os conhecimentos necessários para ser demitido sumariamente, sem o menor rancor, obedecer cegamente todas as ordens, sem contestar, além de possuir um dispositivo de auto-destruição, programável, para o caso de falência da empresa, estando esta segurada contra incêndios e explosões.
O negócio é ser bom em alguma coisa.
Em que você é bom?
Os meus irmãos sabiam desenhar como ninguém.
Eu, não tinha o menor talento para o desenho e eles não tinham o menor talento para auxiliar um aprendiz de artista.
Eu só sabia desenhar a lua. Era só um círculo, sem nada dentro. Não era o sol, porque eu tinha preguiça de fazer os riscos dos raios.
A lua era mais rápida de fazer.
Por causa disso, levei muito tapa nos olhos, deles, o que só reforçava a minha predileção por esse desenho, pois, acabava só vendo círculos na minha frente.
Era o meu orgulho, a lua que eu desenhava.
Aqui para nós, eu nunca consegui desenhar um círculo perfeito, inclusive, muitas vezes parecia um triângulo, mas resolvia esses contratempos, desenhando uma nuvem na parte torta do desenho.
De tanto desenhar nuvens encobrindo a lua, acabei num consultório psiquiátrico infantil, explicando o porquê de eu ser tão “deprimido”, pois fazia referência a nuvens negras em tudo o que eu desenhava.
O tratamento foi muito positivo, pois passei a desenhar coisas bem mais interessantes, do que luas com nuvens na frente, tais como: mendigos, cadáveres, tanques de guerra e partindo para o abstracionismo, passei a desenhar políticos honestos.
Acabei desistindo do desenho e o resultado é que não saio mais em noites de lua cheia e tempo nublado, isso porque, basta eu ver nuvens tapando a lua, que eu já me deprimo.
Sérgio Lisboa.

EPOCLER



Há uns anos, era vendido nas farmácias, um remédio, que vinha em pequenos frascos, em dose única, chamado Epocler (era pronunciado com “e” aberto no final: clér).
Este remédio era indicado, segundo os anunciantes, como auxiliar na má digestão e nos excessos gastronômicos e etílicos, ou seja, desembrulhava o estômago e era bom para a ressaca, sendo amplamente comercializado em todo o país.
O povo adorava o Epocler, cujas propriedades curativas, segundo boatos, já alcançava até reumatismos e câncer de próstata (esse, se estivesse no estágio inicial, é lógico!).
Já havia até crianças batizadas com esse nome, bem sonoro, por sinal: Epocler.
Lindo, não? “Epocler! Vai chamar a tua irmã, a Novalgina!”
Foi uma época mais feliz do que muitas. Inflação lá em cima, instabilidade geral e o povo mandando ver no Epocler, para agüentar tudo isso.
Já teve até quem gritasse um dia: - “Epocler para presidente!”
Não sei se por causa disto, mas para a surpresa de todos, um dia o governo anunciou que tiraria de circulação o remédio Epocler, pois havia sido provado que o mesmo não passava de um suco barato e que não atendia os requisitos curativos a que se destinava.
Meu Deus do céu!
O que se viu naqueles dias, foi a mais tresloucada corrida das pessoas às farmácias, para comprar todo o estoque que ainda restava nas prateleiras, antes do mesmo ser recolhido.
O câmbio, naquele dia de crash da bolsa de inversão de valores, chegou a duas carteiras de cigarro para cada dose de Epocler.
Foram dias de glória para o Epocler.
Contrariando todas as evidências científicas e todos os padrões de razoabilidade, as pessoas querem acreditar, talvez porque, tudo o que elas possuem seja de fato a sua fé, a sua esperança naquilo que vêem como certo, do mesmo modo em que a filha, contrariando todos os apelos de amigas, irmãs, mãe, pai, avô, avó, cachorro e até da família do próprio, se casa com o maníaco do Parque.
O dono da igreja “Deus Tá No Teu Bico”, quando desmascarado, filmado, gravado, periciado, autopsiado, dizendo que criou aquela seita para fazer dinheiro em cima de alguns ingênuos, e em função disso, comemora-se, que pelo menos aquela seita se desintegre e desapareça, os seguidores alegam que estão sendo atacados por satã, que quer desviá-los do caminho certo e que, com o líder ou sem ele, eles vão levar adiante a pregação.
Tem coisas que são imponderáveis, mas pelo menos, fica mais fácil entender o porquê do fascínio pelo Epocler, pois em caso de um mau casamento, uma escolha religiosa errada ou o convívio diário com as mazelas que nos cercam, é preciso ter sempre, à disposição, um bom remédio para o estômago e para ressaca do dia seguinte, do resto de nossas vidas.
Sérgio Lisboa.