segunda-feira, 9 de junho de 2008

AVERSÃO A NOVELAS



Pintei um quadro que eu mesmo intitulei: “Aversão A Novelas”.


Resolvi pintar essa tela quando cheguei em casa, num final daqueles dias em que tudo o que precisamos é desabafar e conversar com alguém em quem confiamos para eles simplesmente te olharem e dizerem:


-Fique quieto que é o último capítulo da novela!



Pintar esse quadro foi a forma mais original e mais indignada que consegui para exteriorizar o meu repúdio, a minha indignação a essa verdadeira lavagem cerebral, a essa invasão de mentes, a essa massificação de pensamentos, a essa invasão de um Movimento Sem Terra, que tenta fazer uma redistribuição de áreas produtivas de seu cérebro.



Após terminar minha obra-prima, que levou o mesmo tempo do último capítulo da novela, que, diga-se de passagem, foi mais comprido que todos os demais trezentos e noventa e sete capítulos do ano, pude, finalmente, apresentar a minha mãe, para sua apreciação crítica, ao mesmo tempo em que esperava ao mostrar-lhe meu talento, dar uma lição do que é possível se fazer ao invés de perder seu tempo assistindo a coisas banais e sem sentido, como novelas.



Ela, então parou, e enquanto enxugava as lágrimas que derramou com a separação do casal de protagonistas e, principalmente de seu protagonista preferido, o ator Francisco Beltrão.


Apenas sorriu ao olhar para a tela, causando em mim, confesso, uma alegria e uma satisfação que nunca havia experimentado: a alegria de minha mãe por algo que eu havia produzido com minhas próprias mãos, sem interferências da televisão, de seus atores e diretores e, além de tudo, sendo uma obra de protesto pela massificação que quase havia engolido minha própria mãe.


Ela apenas disse uma frase, que para mim soou como a apreciação do próprio Leonardo Da Vinci reencarnado, me elevando ao seleto grupo dos imortais artistas plásticos de todos os tempos:


- Este morro com suas sombras me lembra algo familiar, disse ela.


- O quê ele te lembra minha mãe?


- Traços da pintura de Monet ou do maior mestre, Van Gogh?


- Não, meu filho! Parece a fisionomia de um ator de novelas.


- Já sei é a fisionomia do ator Francisco Beltrão!


Sérgio Lisboa.



sexta-feira, 6 de junho de 2008

O DONO DA FILA

Bem cedo ele já estava na porta do órgão público.

Conseguiu, finalmente ser o primeiro.

Até que enfim ele seria atendido, depois de meses de espera.

Quantas vezes havia chegado na fila e ser surpreendido com cento e vinte pessoas na sua frente, para um número de quarenta fichas.

Ia embora desiludido e pensando como seria o desfecho daquela situação com as oitenta pessoas que não iriam conseguir uma ficha.

A sua chance seria somente se, um dia, ele conseguisse chegar bem cedo, na frente de todo mundo.

E foi o que ele fez.

Nem dormiu naquela noite e no meio da madrugada ele já estava acampado em frente à porta do prédio.

Aquela porta que era tão cobiçada. Aquela porta que era tão distante de um mero ser humano. Aquela porta que era tão intransponível, que parecia até a porta do paraíso.

Lá estava ele, o primeiro e único homem que havia chegado àquela porta, naquele dia.

Como um desbravador de continentes perdidos, de planetas, nunca dantes explorados, lá estava ele.

O primeiro e único.

O escolhido.

O dia já ia amanhecendo quando um outro concorrente foi chegando com aquele olhar para ele de surpresa. Aquele olhar de quem se pergunta: como ele conseguiu essa façanha?

Mais outro foi chegando, com aquele mesmo olhar.

E mais outro. Para todos eles ele dava uma virada rápida de pescoço, um suspiro e levantava a cabeça como faziam os gladiadores sobreviventes do Coliseu, com um olhar firme de superioridade, fixo para o céu.

Ele era um vencedor!

Até que se apresentou um adversário a altura.

Um fura-filas. È o pior adversário para quem enfrenta uma maratona em uma fila: um fura-filas.

O “modus operandi” deste profissional do caradurismo sendo demonstrado ali, ao vivo, diante dele, sem cortes ou efeitos especiais.

Chegou com a cara séria, com os passos firmes e foi direto para a porta, lá na primeira vaga da fila.

Realmente o cara era bom. Um profissional de respeito. Só que ali estava ele, o cara que não ia permitir que isso fosse feito bem nas suas barbas.

Pegou o fura-filas pelo cangote, puxou com força e mandou ele lá para o fim da fila.

O fura-filas, é lógico, tentou argumentar, mas ele, que não era bobo, não deixou ele sequer abrir a boca (sabia de seu poder de persuasão) e empurrou-o lá para trás.

O destino, sempre cínico e debochado, desenhou para ele, naquele dia, que ninguém apareceu para abrir a porta.

Seria feriado? Seria greve dos funcionários?

Foi quando, chegando quase ao fim da manhã e todos já, mais do que indignados, resolveram até, não tendo mais paciência nem voz, deixar (pasmem!) o fura-filas falar.

Ele, com aquela empáfia de um verdadeiro fura-filas profissional, apenas disse:

- Eu sou o atendente deste órgão público e o responsável pela chave e abertura do mesmo.

Eu apenas cheguei pela manhã para abrir e atender a todos vocês, mas fui jogado para o fim da fila, sem deixar que eu falasse.

Como já terminou o turno de atendimento, eu peço que os senhores voltem amanhã, bem cedo, para pegarem suas fichas.

Sérgio Lisboa.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

APRENDI COM UM MENDIGO



Certa vez, numa noite muito fria de inverno, estava parado em um ponto de ônibus, quando um mendigo que estava acomodado atrás da parada, com sacos e bugigangas em volta dele, parecendo um acampamento, se aproximou de mim e me pediu fogo para o seu cigarro. Um toco de cigarro, na realidade.


Eu tinha comigo uma caixa de fósforos e alcancei para ele. Ele, com muita elegância, apesar de tremer muito, acendeu sua bagana e devolveu-me a caixa de fósforos. Sensibilizado com aquela situação que presenciara, sem sequer pensar, disse a ele que poderia ficar com a caixa de fósforos, que eu a daria para ele.


Ele voltou para o seu canto sem me dizer nada e eu continuei ali parado, esperando o ônibus.



Qual não foi a minha surpresa quando ele surgiu a minha frente, com as duas mãos, que estavam pretas de muito sujas, assim como as unhas, carregando em forma de concha, restos de verduras, retalhos de mortadelas e muitos legumes e, estendeu as duas mãos para mim e disse:


- Toma! Leva para casa para você fazer uma sopa!


Surpreso com aquela atitude e, ao mesmo tempo sensibilizado pelo espírito de gratidão e generosidade dele, agradeci dizendo, com todo o cuidado, que não podia aceitar.


Ele deu um sorriso de quem tinha cumprido o seu dever e um certo alívio por ter ficado com um pouco mais de alimento para o dia seguinte.



Essa história sempre me vem à mente como uma grande lição que aprendi em minha vida.


Daquelas histórias mágicas que não tem nenhum outro personagem como testemunha, numa noite fria, parecendo aqueles cenários criados especialmente para encenar uma fábula.


A moral da história, para mim, é que sempre temos alguma coisa para dar e, mais do que isso, é preciso retribuir as dádivas que recebemos, por menores que sejam.


Dar e retribuir, reconhecer e agradecer, ajudar e ser ajudado são atitudes que parecem esquecidas num mundo onde todos se acham no direito de só receber, de só exigir, de só ganhar, de só levar vantagem, do “ter” superando o “ser” do “ganhar” superando o “dar”, a qualquer custo.


Aprendi uma grande lição com um mendigo? Não!


Aprendi uma grande lição com um grande ser humano.


Sérgio Lisboa.



segunda-feira, 26 de maio de 2008

BATEDORES DE CARTEIRA

Uma das atividades mais antigas do mundo é a do punguista, do batedor de carteiras.

Eles andam para todo o lado, mas principalmente costumam atuar em grandes aglomerações. Ali é que é o seu habitat natural. Onde tem muita gente reunida e desprevenida de cuidados, não de dinheiro.

Seja em festas, shows, transportes públicos ou simplesmente caminhando em centros urbanos.

O mais incrível desses meliantes que podem ser, homens ou mulheres, é que adquiriram algumas apuradas técnicas de evasão tanto dos pertences quanto de si mesmos, em caso de uma ação mal sucedida.

Num desses ataques de um punguista solitário a uma mulher, também solitária, junto a uma parada de ônibus que estava cheia de gente, naquele horário, ele decidiu enfiar a sua mão dentro da bolsa que ela carregava pendurada em seu ombro.

Quando ele colocou a mão na bolsa dela, ela pressentiu e agarrou firme a mão dele. Foi quando, de forma surpreendente, como um verdadeiro ator do mais conceituado teatro, ele puxa a mão que ela agarrava e grita, ao mesmo tempo em que já sai em disparada para o lado oposto:

- Eu já te falei que não te quero mais!!!

Todos, que até então não haviam suspeitado de nada, passaram a olhar para ela com aquele olhar de condenação, com aquele olhar de quem reprovava uma pessoa que não sabe o seu limite, de uma pessoa desequilibrada que não assimila nenhuma perda e que corre atrás de um homem, sem o menor amor-próprio.

Nessas horas a vergonha conseguiu superar o seu medo e acabou engolindo a sua voz, não lhe deixando forças para dizer algo que seria simples em qualquer situação: que era gritar ou pedir socorro. Cada segundo que ela levava para se recompor da surpresa, da atitude do ladrão, parecia horas dificultando ainda mais, a sua iniciativa de dizer que ele mentira e sim que ela estava sendo assaltada.

E, ao invés dela comemorar que não fora roubada, teve que amargar a humilhação de ser rejeitada na frente de um monte de estranhos.

O olhar de reprovação das pessoas, misturado com o de decepção, por algo que não fizera, ficou marcado em sua retina como algo mais traumático do que qualquer assalto.

Sérgio Lisboa.


quinta-feira, 22 de maio de 2008

A AMAZÔNIA É UMA BOA ZONA

Uma reportagem publicada no jornal americano "The New York Times" afirma que a sugestão feita por líderes globais de que a Amazônia não é patrimônio exclusivo de nenhum país está causando preocupação no Brasil. O jornal diz que vários líderes internacionais estão declarando mais abertamente a Amazônia como parte de um patrimônio muito maior do que apenas das nações que dividem o seu território.

Obviamente o governo brasileiro não ficou muito satisfeito com essas declarações e prometeu tomar medidas drásticas para a proteção de seu território e a manutenção de sua soberania, já encomendando milhões de quilômetros de arame farpado, para cercar a região, deixando o setor siderúrgico ouriçado. As madeiras para o cercamento, por uma questão de logística e de custo, virão de madeireiras clandestinas da própria Amazônia. Outra medida foi dar um ultimato para os exploradores de todos os pontos do planeta que dizimam a flora e a fauna da região, dando-lhes, no máximo, noventa e nove anos para saírem de lá, sob pena de multa de cento e vinte reais, paga em dez vezes.

Enquanto não põe em prática essa estratégia de proteção à região, o governo brasileiro está pensando em delegar para os americanos o direito de escolher e credenciar quais os cientistas internacionais e ambientalistas que podem entrar nessas áreas, e quais companhias podem explorá-la.

Apesar disso, o presidente discursa pelo mundo afora, críticas sobre mudanças climáticas e desmatamentos, perdendo-se na contradição de não conseguir controlar um milésimo da região amazônica, enquanto é o embaixador mundial pela utilização de recursos energéticos vindos da terra, fingindo preocupação com o futuro do planeta.

Na verdade essa preocupação do Brasil em não permitir haver interferência externa em seu território, especialmente a Amazônia, até que é interessante, mas fica parecendo mais a história do pai que, querendo que a filha case virgem, enquanto escolhe o futuro marido para ela, deixa a menina se virando num prostíbulo.

Sérgio Lisboa.

POUCOS TÊM MUITO

Dez por cento da população brasileira detêm setenta e cinco por cento da riqueza nacional.

A gente passou um bom tempo na escola aprendendo como dividir, como fracionar e também o sentido humano de repartir com igualdade todas as nossas tarefas e pertences.

Depois que crescemos nos deparamos com essa realidade.

Como é que vamos falar de ética, de igualdade, de bondade, de generosidade, fraternidade, de sanidade, com uma realidade numérica dessa magnitude nos assombrando.

Já não chega aquelas revistas especializadas em dizer quanto aquele personagem famoso ganha por segundo, se dando ao luxo de comparar com o fato de que, a cada vez que o famoso pisca o seu olho, ganha mais do que você ganhará por toda a sua vida.

Não vamos ser simplistas e acreditar que isso pode ser mudado ou fazer discursos panfletários contra os ricos e contra a má distribuição de renda.

Muitos fatores contribuem para isso e os desvios e erros estão divididos na mesma proporção que a riqueza, só que de forma invertida, ou seja: a grande maioria absoluta pobre é sempre considerada, por eles (os ricos), como os únicos responsáveis por essa concentração de renda desumana. E a maioria pobre acredita nisso e repete isso.

A verdade é que enquanto houver monarquias, castas, oligarquias, nepotismos, monopólios, grupelhos, apadrinhamentos, etc., sempre haverá distorções e alguns tendo mais do que outros.

Não basta apenas invocar a questão histórica dizendo que sempre foi assim ou até mesmo a questão genealógica de que uns, mesmo que começassem todos do zero, acabariam sempre tendo mais do que outros por seu tino monetário e, principalmente por sua abdicação de prazeres consumistas de que muitos não abrem mão.

O Brasil é um país, já constatado por números, que possui o maior abismo entre quem têm mais e quem têm menos. Esse abismo é que constrói todos os outros abismos que somos obrigados a ver e conviver.

Esse abismo é que constrói o fosso que separa a monarquia da plebe. A cadeira numerada, da geral.

O corredor do hospital úmido, do quarto com tela plana. A prisão mofada da viagem ao Caribe.

Ninguém nasce disposto a fumar crack.

Ninguém vai para a cama dizendo “vou botar no mundo alguém sem futuro.”

Quando nós lemos que tão poucos têm tanto, enquanto tantos têm tão pouco, a primeira idéia que nos vêm à cabeça é: quero entrar nesse grupo que tem tanto. Seja pela porta da frente, pela porta dos fundos, pelo telhado, dentro do latão de lixo, indicado por alguém ou até com um trabuco na mão.

Enquanto pensamos assim, não conseguimos, nem por um momento pensar em porque é assim.

E enquanto não conseguirmos parar para pensar em porque é assim, vamos celebrando a alegria dos outros e incutindo em nós mesmos que, infelizmente, nascemos para sofrer.

Só quando temos uma discussão familiar, é que essas coisas ficam escancaradas a nossa frente e a atitude mais coerente é encher a cara e jogar, um no outro uma panela vazia.

Eu sugiro fazer amor e escrever poesia. Como sempre se fez.

Sérgio Lisboa.

domingo, 18 de maio de 2008

OBSCENIDADES

No Afeganistão, um homem-bomba, vestido com uma “burca”, uma espécie de veste que só as mulheres usam naquele país, detonou uma bomba que levava consigo e matou mais de vinte pessoas.
O Presidente do Afeganistão considerou uma verdadeira “obscenidade” a atitude do terrorista.
Explico: O Presidente do Afeganistão considerou uma obscenidade não a explosão e o morticínio, mas o fato de usar uma veste feminina para conseguir o seu intento.

Num primeiro momento, essa preocupação do Presidente Afegão, somente com a falta de ética do terrorista, usando de um artifício maquiavélico que é travestir-se de mulher para cumprir uma simples missão de rotina, que era chamar a atenção dos líderes de ambos os lados, matando uns míseros vinte seres humanos, pareceria tragicamente irônica.
Mas, na realidade ela nos mostra de forma bastante elucidativa como as pessoas vêem de forma diferente as mesmas coisas que para qualquer um seria um princípio básico: o inequívoco e inestimável valor dado à vida.

Não se discute mais o ato terrorista de carregar em seu corpo uma bomba, que além de tirar a própria vida, leva consigo dezenas de pessoas inocentes, para conseguir, no máximo, chamar a atenção e insuflar ainda mais o outro lado, para repetir a mesma atitude com outras dezenas de pessoas.
Discute-se a tradição, a religião, o direito adquirido, a “milenaridade” de uma postura, a manutenção de dinastias e a preservação do “status quo”, sempre permeado pela riqueza material e pela posse de terras e de homens.

Assim como lá, nós sofremos o mesmo aqui. Quando ficamos à mercê de decisões de homens-bomba, que decidem nosso futuro quando menos esperamos, com suas decisões políticas e sociais de forma bombástica, que irão definir o nosso futuro e dos nossos filhos.

Assim como lá, aqui, discute-se a tradição, a religião, o direito adquirido, posturas atrofiadas, manutenção de dinastias e preservação do que está instituído há séculos e não a forma arrasadora com que será implementada a sua estratégia.

A diferença daqui para lá é que, pelo menos lá, eles não admitem obscenidades em seus atos para conseguirem seus intentos.
Sérgio Lisboa.

domingo, 11 de maio de 2008

DESLUMBRAMENTO

Participei de uma palestra em que um dos maiores especialistas em engenharia de tráfego e acidentalidade, sendo constantemente chamado para dar seu parecer sobre as possíveis causas de acidentes, ao contar um episódio sobre um acidente em que um ônibus saíra fora da estrada, veio com uma conclusão no mínimo curiosa: o acidente aconteceu por deslumbramento do motorista.

Isso mesmo! Deslumbramento!

Ele contou que uma de suas técnicas é estar no local no mesmo horário e condições climáticas do dia do acidente.

Aquele acidente havia acontecido às sete e meia, quando o sol estava aparecendo bem de frente para o motorista, no horizonte, e era um lugar onde o sol ficava ainda mais bonito, como um quadro pintado a nossa frente.

O próprio especialista confessa que esqueceu por alguns instantes o seu ofício e ficou a contemplar aquela maravilha da natureza.

Concluído o seu relatório, lá estava grafado no papel como causa provável : “Deslumbramento do motorista com o cenário do local”.

Não sei dizer se o motorista foi condenado por essa falha inadmissível para um ser humano, que é se deslumbrar com a natureza, mas de qualquer forma foi encontrada uma causa para o acidente.

Eu acho que poderia usar esse episódio para outras situações em que falhamos tais como:

Se chegar atrasado ao serviço posso alegar extasiamento com o sonho maravilhoso que estava tendo.

Se falo mal do governo, posso alegar aturdimento pelas decisões deles.

Se chego tarde em casa, e a minha mulher briga comigo, posso alegar assombramento constante.

Se brigar com a minha sogra, posso alegar falha no encantamento (da serpente).

Se brigo com o meu chefe posso alegar ofuscamento do meu brilho.

Se sou flagrado olhando para os seios de uma mulher, posso alegar deleite.

Quanto aos governantes, para qualquer caso em que são surpreendidos em alguma situação embaraçosa, têm uma gama muito grande de alegações tais como: marasmo, debilidade, fraqueza, apatia, paralisia, fascínio (por enriquecimento), estagnação e, a mais utilizada delas, o desconhecimento.

Sérgio Lisboa.

ESPERAR QUEM NÃO VEIO



Uma das coisas mais patéticas, tristes, melancólicas, solidariamente constrangedoras, é a espera de alguém que não veio.



Todas aquelas expectativas, todo aquele aparato, todo aquele preparo, toda aquela dedicação, nunca antes feita, nem para nós mesmos, ficam ali a nos olhar como que mostrando o quanto somos extremamente dedicados e detalhistas para construir nossas próprias decepções.



Quando ficamos esperando somente um telefonema ou um encontro em algum lugar da cidade, ainda é um trauma um pouco menor do que quando preparamos um jantar especial, cheio de detalhes, chegando às minúcias de colocar até perfume na maçaneta da porta.



Aí, o prejuízo sentimental é bem maior.


Ficamos com a sensação de que não somos importantes, de que estamos sempre disponíveis e, por isso mesmo, somos descartáveis.



Aquela mesa de jantar maravilhosa vai desbotando à nossa frente, as flores murchando aceleradamente, parecendo uma mesa de jantar de um navio naufragado, no fundo do oceano, misturada com lama, ferrugem e tristezas.



A gente só lembra de um momento desses quando nós somos as vítimas desse abandono, dessa descortesia, dessa desconsideração.



Muitas vezes, talvez, tenhamos feito para alguém, essa mesma coisa que tanto detestamos, tido essa mesma postura, marcando alguma pessoa, um dia, com o ferro quente do descaso e do esquecimento.



Seja sem intenção, apenas porque surgiu um imprevisto, seja por deliberada vontade de fazer alguém não se sentir bem.


O sentimento de quem fica a esperar é muito duro.


Muitos tiram isso de letra e se sentam à mesa e jantam sozinhos, mais felizes ainda, por não ter que repartir a sobremesa.


Eu considero a melhor forma de encarar uma situação dessas para não se deixar afetar muito por comportamentos das outras pessoas e manter sempre, a auto-estima elevada.



Se alguém, um dia te der um “bolo”, enfie uma vela nele (no bolo) e comemore mais uma oportunidade de ficar consigo mesmo e, quando for cortar a primeira fatia, não se esqueça de fazer um pedido: que cada “bolo” que levar nessa vida sirva para comemorar a mais perfeita sintonia de amor e dedicação que conhecemos, que é a que temos por nós mesmos.


Sérgio Lisboa.





quarta-feira, 7 de maio de 2008

A FOTO DO BRAD PITT NO BOLSO



Quando eu era menino, eu ouvia dizer:


“Homem que é homem, não vai ao cabeleireiro e sim, no barbeiro!”



Aquilo sempre me martelou a cabeça e, apesar disso, eu sempre achei que o cabeleireiro era o barbeiro de última geração.


Por isso, eu sempre ia a um cabeleireiro e sempre dizia o jeito que eu queria que fosse o corte do meu cabelo, e todos eles, sem exceção, me diziam: “Deixa comigo!”


O que isso significava? Ficava pior do que estava.



Um dia, depois de muito penar por vários cabeleireiros procurando um corte de cabelo que eu mais gostasse, ou o que é melhor, o que mais as outras gostassem, acabei tendo que tomar uma atitude mais drástica.



Resolvi levar no bolso um modelo de corte de cabelo que eu julgava ser o mais adequado para mim.



Esse modelo era retirado de uma revista de moda, aquelas mesmo em que os modelos fotográficos, eram uma mistura de príncipes nórdicos com corpos apolíneos.



Sempre que eu mostrava para o cabeleireiro que eu queria ficar igual aqueles caras da foto, eles sempre vinham com aquela mesma infame piadinha: “Só se nós fizermos uma plástica!”



Apesar de eu conseguir passar por esse teste inicial de paciência sacerdotal, estando disposto a enfrentar o mico que é tirar do bolso uma foto do Brad Pitt e dizer que eu quero um cabelo igual e, geralmente quando acontecia isso, o salão estar cheio de fofoqueiras (apesar de ser comum) e, justamente naquele dia, todos os adeptos da academia de jiu-jitsu, que fica ao lado do salão, resolverem cortar os cabelos juntos (coisa de bichonas), e te olharem como você fosse um anabolizante vencido, o resultado final (adivinhem!) foi um desastre.



Os cabeleireiros nem olham para o que você pede e muito menos para alguma foto que você leva ou que tem no catálogo. Eles apenas dizem “ok” e mandam ver na única técnica que eles aprenderam que é a de terminar o mais rápido possível, sem tirar a atenção da novela das duas que está passando na televisão.



Sem falar no assunto que faz eles largarem a tesoura a cada trinta segundos, que é comentar a separação da Lurdinha com o Marcos para ficar com a Neiva.


- Não me conta! Logo a Neiva que nunca depila o sovaco!



Tudo isso acontecendo e você ali. Vendo seu cabelo ser tosquiado, sem critérios, sem um acompanhamento psicológico. Isso mesmo!


Você tinha uma identidade antes de se sentar naquela cadeira de torturas, antes de entrar naquela casa dos horrores.


Dependendo do “profissional”, você sai da cadeira uma outra pessoa. Dá pena de ver seus amigos lhe evitando, olhando para você como se você tivesse trocado de sexo, como se tivesse votado no Lula.



Mas o pior é quando você sai de lá desiludido, com o cabelo parecendo uma mistura de trilha de rato com porco-espinho e, por causa disso, acaba tendo um mal súbito e desmaiando na calçada.



Quando as pessoas param ao redor de você para tentar socorrê-lo e procuram em seus bolsos alguma identificação ou um número de telefone e se deparam com uma foto do Brad Pitt no seu bolso.


Nesse caso, o melhor mesmo é dar um suspiro e dizer: “Um homem desses não é para fazer a gente desmaiar, santa?!”


Sérgio Lisboa.








domingo, 4 de maio de 2008

EU QUERIA PERDER O MEDO

Eu queria perder o medo de tentar.
Eu queria perder o medo de inventar o futuro.
Eu queria perder o medo de ser o que realmente sou.
Eu queria perder o medo de tentar atingir uma condição sublime.
De me desapegar.
De deixar o outro voar.
De viver com base naquilo que realmente me importa.
De acreditar que posso ter o controle de minha própria vida.
De ser paciente.
Eu queria perder o medo.
De resolver tudo aquilo que está mal resolvido em meu coração.
De ter coragem.
De ir em frente.
Eu queria perder o medo.
De ser despido de orgulho.
De não esperar o fim para descobrir as coisas que eu gostaria de ter feito.
De ter um objetivo.
De viver sem sentido.
De pensar que ainda posso mudar o meu futuro.
De me reunir mais com minha família.
De adversidades.
De oportunidades.
Eu queria perder o medo.
De procurar a felicidade dentro de mim e não dentro do outro.
De felicidade.
De liberdade.
De descobrir as causas de meus sentimentos e emoções.
De assumir o meu papel que é único no mundo.
De fazer perguntas e procurar respostas.
De ser bem sucedido ou não.
De evitar o conflito com quem amamos.
De evitar odiar com quem nos conflitamos.
De mudanças.
De dizer adeus.
De coisas importantes.
De dizer que amo.
De desapontar.
De perder.
De me iludir.
Eu queria perder o medo.
De me desculpar.
De não me culpar.
Eu queria perder o medo de acreditar que não preciso nunca mais sentir medo.
Eu queria perder o medo de encontrar a paz.
Eu queria perder todos os medos que vivem em meus pesadelos e encontrar todas as alegrias que vivem em meus sonhos.
(Extraído do tanto que se lê na Web)
Sérgio Lisboa.

A PUREZA DE UM BALÃO



Padres acusados de pedofilia já não é novidade e bem que esse padre voador, que sumiu no mar, ao reunir um grande número de balões de festa para tentar voar com eles, usando um ícone da fantasia infantil, serviria de forma simbólica para redimir um pouco os colegas de batina.



Eu li que ele já havia sido expulso de um curso de vôo livre, por indisciplina. Eu sempre imaginei que a disciplina era o básico, seja para uma ordem religiosa ou para uma atividade técnica e perigosa como a aviação.



Pobre das crianças. Hoje estão cercadas de traumas cada vez mais fortes. De serem jogadas pela janela, de padres que levam seus balões, de pornografia infantil.



Eu acho que toda a criança sempre quis saber onde vão parar os seus balões que o vento arrancou de suas mãos.



Um padre resolveu fazer esse teste em nome das crianças.


Foi embora, levando consigo nossas fantasias, nossos sonhos, nossas dúvidas, nossos balões.



Qual a razão prática de alguém querer ter conseguido bater o recorde de vôo com balões de festa.



O próximo recorde a ser batido talvez fosse o de salto de pára-quedas só agarrado ao chapeuzinho de aniversário?



E o recorde de travessia sobre um precipício caminhando sobre uma “língua-de-sogra”, movida a compressor de ar?



Poderia ser a travessia do atlântico em cima de uma bandeja de brigadeiros?



Quem sabe o recorde de tempo de permanência sem respirar com a cara enfiada dentro de um bolo?



Também o recorde de distância percorrida, caminhando sobre velas de aniversário acesas, daquelas que sempre reacendem?



Quando as crianças forem a algum parque de diversões ou a uma festa infantil, passarão a olhar com outros olhos para os balões de festa. Elas sempre lembrarão que eles podem levá-las para bem longe e nunca mais voltar.



E quando avistarem, a partir de agora, um padre, os vendedores de balões estarão proibidos de vender para eles, sob a acusação de incitação ao suicídio.



Fica dessa experiência do padre voador, uma indagação que se mistura com a devoção e bondade de um sacerdócio com a pureza de uma fantasia infantil que representa os balões:



Se essa menininha que foi jogada pelos pais pela janela, ao menos tivesse em suas mãos um balão de festa?


Sérgio Lisboa.








sexta-feira, 2 de maio de 2008

O QUE É FELICIDADE?

A coisa mais procurada, perseguida e definida como o grande presente que queremos da vida se chama “felicidade”.

Todos querem ser feliz. Todos procuram a felicidade.

Mas, afinal, o que é a felicidade?

A felicidade do fabricante de cigarros é um número cada vez maior de viciados dispostos a morrer em nome do lucro da empresa.

A felicidade do agente funerário é um aumento no número de óbitos, seja por causas naturais ou não.

A felicidade do político é com a desinformação do eleitor e seu conseqüente nível cultural aprisionado a um assistencialismo aviltado.

A felicidade do catador é um lixo cada vez mais robusto e variado para ele se deliciar com os restos dos outros.

A felicidade do jovem é uma lanchonete globalizada e um beijo roubado, sem saber que se não tiver sorte, nunca mais fugirá de nada globalizado nem de coisas roubadas.

A felicidade da criança é um brinquedo que a loira do programa infantil disse ser vital para suas vidas e que o avô, deixando de tomar um de seus remédios, também vital para sua vida, poderá adquirir o brinquedo para ela.

A felicidade do comum é um programa de auditório, seja o milenar “Silvio Santos” ou o “ridículamente moderno, “Pânico”, cujo título, quero crer, foi criado com um último sopro de lucidez, legando para a posteridade o verdadeiro sentimento que viria tomar conta de todos os que assistem a essa maravilha.

A felicidade do presidiário é uma comida quente, por um só dia, pelo menos, e poder dormir com os dois olhos fechados, nem que seja por uma noite.

A felicidade do faminto é um prato com um bocado de comida, sorrindo para ele e só para ele, sem larvas.

A felicidade para o infeliz é ver mais gente não conseguindo mais ser feliz e ver cada vez mais gente sofrendo e chorando.

O governo pagou uma pesquisa para saber como o povo brasileiro se sentia com relação à felicidade.

O resultado foi que 75,5% dos brasileiros se consideravam felizes.

O interessante é que somente 28,0 % dos entrevistados acham que o povo brasileiro é feliz.

Para entender melhor, a maioria se considera feliz, mas acha que os outros não são felizes.

Quando a gente se sente feliz, mas acha que os outros não são felizes, só tem uma explicação: ou os outros não têm inteligência emocional ou não conseguiram ainda uma boquinha no governo.

Sérgio Lisboa.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

ARREMESSADO PELA JANELA

Eu fico pensando o que é capaz de fazer o ser humano com sua inteligência, força de vontade, capacidade de transformação e de adaptação.

Todos os caminhos estão abertos, os que levam para uma melhoria geral, uma evolução espiritual, uma vitória da mortalidade contra a imortalidade, da eternidade contra a finitude e outros que levam para o lado oposto, para uma decadência constrangedora, para um abismo escuro e assustador.

Qualquer um que já tomou uma taça de vinho um dia, ou qualquer alucinógeno abridor de mentes, ou mesmo sem nada disso, ousou pensar diferente do que está estabelecido, pelo tempo ou pela força, contestam o que é o bom e o mau, o que é o certo e o errado, o que é pecado ou não.
Contestar é preciso, abrir a mente é imperativo.

Me perdoem os filósofos. O dualismo ingênuo era mais fácil de assimilar.

Houve um tempo em que se era ou do bem ou do mal.
Ou se era bandido ou se era mocinho.
Ou se era da luz ou das trevas.

O mundo chegou a um novo tempo.
O tempo em que tudo é possível.
Qualquer notícia, hoje, por mais inverossímil, por mais fictícia, não nos causa impressão, pois tudo no mundo moderno é possível de acontecer.

Se é noticiado que um homem vai conseguir dar a luz, bocejamos diante da televisão.
Se lemos que Jesus nunca existiu, simplesmente mudamos para um canal de desenho animado.

Minha mãe, com um conhecimento psicológico de causar inveja a qualquer especialista, sempre que eu e meus irmãos brigávamos por algum brinquedo ela pegava esse brinquedo, quebrava e jogava pela janela do edifício em que morávamos, deixando todos nós estupefatos, a olhar lá para baixo, com o choro trancado e vendo o brinquedo destruído e espatifado na calçada. A briga cessava na hora, pois a razão da mesma não mais existia.


Não basta apenas ter bigode e chegar a uma certa idade para ter filhos. É preciso uma maturidade de caráter e um grau de sensibilidade divinos para enfrentar essa tarefa, que infelizmente muitos não têm, fazendo mais por uma imposição social ou o que é pior, para a preservação da “linhagem”.

Ainda bem que eu vivi numa época em que só os meus brinquedos eram arremessados pela janela do edifício.
Sérgio Lisboa.

sábado, 26 de abril de 2008

ABORTAR A EUTANÁSIA

Os holandeses estão preocupados com a sua liberalidade, tão conhecida mundialmente, entre outros motivos, por ocorrências de assassinatos terroristas, que eram incomuns, pelo grande afluxo migratório e pelo aumento no comércio de drogas, acima da quantidade permitida.

Os prostíbulos legais, os cafés, onde a maconha e o haxixe são vendidos para qualquer um, a legalização do aborto e da eutanásia e o casamento gay, são instituições legalizadas naquele país.

O governo holandês já está pensando em algumas restrições para essas atividades e posturas.

Na Holanda maconha e haxixe são consideradas drogas leves e o álcool droga pesada e a preocupação com o fechamento destes cafés, onde é permitido adquirir uma quantidade pequena de maconha e haxixe, é que essa venda passe para as ruas.

Há um desconforto em torno da globalização que socializa, também, peças defeituosas e inúteis, tanto de produtos quanto de pessoas.

O país, até então, símbolo da liberalidade e que mantinha tudo sob controle, está agora, revendo suas posições e preocupado com a perda do controle de sua situação.

Num país onde é permitida a venda e o consumo de drogas, quando alguém de fora se intromete e passa a aumentar a oferta, criando um mercado negro para algo permitido, visando o lucro, faz a gente acreditar que a história bíblica de Adão e Eva não são balelas.

Mesmo num mundo onde a permissividade mais absurda fosse possível, ainda assim, alguém viria propor uma distorção e uma quebra da regra, uma mudança no estado das coisas, seduzindo, por exemplo, com a origem da liberdade (alegando ser o aprisionamento) e visando sempre o ganho material.

O que chama a atenção é que, enquanto aqui no Brasil, nem sequer cogitamos debater assuntos como aborto e eutanásia, lá na Holanda o pessoal está pensando em dar uma diminuída nestas mortes provocadas pelo Estado, como quem diminui um limite de velocidade no trânsito.

Aqui o aborto e a eutanásia não são permitidos legalmente, mas instituídos primando pela utilização do princípio da economicidade, na forma mais maquiavélica: nossas crianças já nascem morrendo de abandono e nossos velhos e doentes terminais morrem mais rápido do que o processo de desligamento dos tubos.

Sérgio Lisboa.

sábado, 19 de abril de 2008

ENGANO A COBRAR



Não pode haver coisa mais absurda, mais nada a ver, do que uma ligação a cobrar por engano.
Primeiro que ligar a cobrar já é, por si só, uma invasão, uma prova de que não se consegue administrar suas necessidades, uma vez que precisa da ligação, mas não tem crédito para essa necessidade mínima.

Segundo que, obviamente, quem liga a cobrar está disposto a pedir alguma coisa.

Agora, não conseguir administrar suas necessidades, estando sempre precisando pedir algo para alguém e ainda não tendo o cuidado mínimo necessário de se concentrar e ligar para o número certo, é merecedor de um estudo antropológico para separar os seus genes, isolando-os, para impedir a propagação de sua espécie pelo universo.

Quando recebemos uma ligação a cobrar, enquanto toca aquela música horrível, o pior arranjo de notas musicais que alguém já conseguiu reunir, deixando ainda mais sádica a tortura dessas ligações, nos já ficamos na expectativa do que vem a seguir.

Normalmente quem liga a cobrar são os bandidos de dentro da cadeia, para nos extorquir com aqueles golpes de falsos seqüestros.
Essa é a prova irrefutável, de que, quando recebemos uma ligação a cobrar, só pode ser um golpe ou uma extorsão, seja de amigos ou parentes ou de presidiários.

Quando não é isso, só pode ser uma má notícia, de um acidente, de um assalto de algum familiar, de um mal súbito, da morte de algum conhecido, de alguma coisa que, certamente não é positiva.

Ninguém liga a cobrar para nós para oferecer um bom emprego, emprestar um dinheiro, para nos dar um elogio ou para iluminar o nosso dia.
Pode ser um cunhado querendo pedir algum dinheiro, algum amigo que ficou com o carro sem funcionar e que precisa que a gente saia de casa, passe num mecânico, leve o mecânico, traga uma bateria e qualquer coisa que não dure menos que uma tarde inteira.
Pode ser a empregada ligando para dizer que conseguiu tirar a mancha das nossas calças mais caras, só que tirou, também, um pedaço da calça que estava com a mancha.
Pode ser os filhos pedindo dinheiro, dizendo que bateram com o carro, a filha avisando que o resultado do exame de gravidez foi positivo e que o namorado dela ficou transtornado e largou o emprego, ou que você não encontrou a conta do telefone de casa por que eles esconderam, pois este mês realmente foi “um pouco alta”.

Existem variações dessa estratégia de ligar a cobrar, como dar só um pequeno toque, ficando a esperar que nós liguemos de volta.
Outro tipo é ligar para nós desligando em seguida, sem antes pedir para que liguemos para ele, pois ele está quase sem bateria.

Assim como Einstein, um dos inventores da bomba atômica, morreu de desgosto ao ver o uso de destruição em massa que iriam fazer com sua descoberta, Grahan Bell, inventor do telefone, quando soube que sua invenção seria usada para fins tão nefastos, como a ligação a cobrar, caiu em depressão e tratou apenas de esperar a sua morte.
O pior é que ele recebeu essa notícia de uma ligação a cobrar.
Sérgio Lisboa.

domingo, 13 de abril de 2008

A PAIXÃO NOS SORRI NA CONTRAMÃO



Às vezes a gente discute se está ou não muito apaixonado. Se vale a pena. Se está ou não, investindo demais na relação.


Temos que investir tudo. Temos que morrer apaixonados.



A paixão é a verdadeira forma de viver, talvez a única.



Paixão em todos os sentidos. Por cima, por baixo, pelo lado.



Paixão pelo que se faz, pelo que se deseja, pelo que se tem e por que se quer ter.



Paixão que faz trocar de vida em um minuto, que chuta o balde, a santa e todos os castelinhos de areia que incansavelmente cuidamos para ninguém pisar ou ser levado pelas ondas da mediocridade.



Azar, se vamos dar de cara num poste - o vento da velocidade da paixão no rosto é indescritível.



As obras mais maravilhosas que a humanidade nos deixou, foram feitas em momentos e com sentimento de pura paixão.



Ninguém tem dúvidas de que a Mona Lisa foi pintada com uma paixão irrefreável, com um sorriso nos lábios do Leonardo.



Que mulher maravilhosa não devia estar na cabeça de Michelângelo, quando pintou a Capela Sistina.



Quão apaixonados não deviam estar todos esses artistas maravilhosos das artes, da música, que nos legaram essas obras-primas, que nos deliciam até hoje?



A sorte da paixão sorri para a gente de um carro na direção contrária, quando estamos dentro do ônibus e é preciso descer e tomar um táxi, senão só nos restará a lembrança daquele sorriso, enquanto somos coxeados por um estivador da fila do meio do coletivo.



È preciso entrar de cabeça quando estiver apaixonado, para não morrer com uma lágrima seca e a garganta presa. Vamos morrer com aquela satisfação de que fizemos tudo, de que arriscamos, de que tivemos a nossa chance e não a desperdiçamos.



Quando a paixão bater à sua porta, peça desculpas para o teu passado e o teu presente, pegue em sua mão e vá. Não olhe para trás. A paixão sabe o caminho para a felicidade. Se vai durar muito ou se vai durar pouco, se a vida toda ou só meia hora, não importa. Se entregue a paixão. Saia do coma e retorne à vida. Reaja!



- Marido! Marido! Acorda! Você está falando dormindo!


- O quê foi mulher?


- O quê foi o quê? Levanta, pára de falar dormindo e vai arrumar a pia da cozinha que está vazando desde ontem!


Sérgio Lisboa.







sábado, 12 de abril de 2008

FORMIGAS CORRUPTAS



Uma nova pesquisa sugere que as formigas são traiçoeiras, egoístas e corruptas, contrariando a imagem de insetos de convivência harmoniosa e com pré-disposição para colocar o bem da comunidade acima de preocupações pessoais.
Cientistas descobriram que determinadas formigas conseguem burlar o sistema, garantindo que seus filhotes se tornem rainhas reprodutivas ao invés de operárias estéreis.
A descoberta dos cientistas prova que, embora colônias de insetos sociais freqüentemente sejam citadas como prova de que sociedades possam ser baseadas em igualdade e cooperação, elas não são tão utópicas quanto parece.
Até as formigas! Aqueles insetos minúsculos que todos nós apontávamos como os mais dedicados, os mais organizados, o exemplo do mais sagrado, do mais intocável, do mais divino procedimento que, apesar de tudo e de todos, estavam sempre ali para nos ensinar o que é um sacerdócio, uma abnegação (faz tempo que quero usar esse termo e não tenho chance!).

Aqueles seres que pareciam ser os mais puros representantes de Deus na terra, a coisa mais perfeita do universo, com ou sem explosões cósmicas, ela, a formiga, que sempre foi nosso exemplo.

O que eu vou dizer agora para os políticos corruptos, para as distorções da sociedade, para os apadrinhamentos, para as maracutaias, para todos aqueles que faziam tudo aquilo que nós execrávamos, dizendo que era antinatural, que era uma característica só do ser humano, que estávamos abaixo dos insetos.

A formiga tinha que estragar tudo. Que decepção, Dona Formiga!
Andando por aí como quem não quer nada, levando aquelas folhas sobre a cabeça, construindo formigueiros no nosso quintal (certamente super-faturado), levando nas costas os nossos doces, deixando a todos com um sentimento de compaixão daqueles pobres e indefesos seres, e ainda por cima nos dando umas picadas de vez em quando.

É preciso fazer uma retratação histórica para com a cigarra. Ficava do lado de fora daquele ninho de corrupção, cantando, certamente hinos vanguardistas, e lançando manifestos contra a corrupção (principalmente as espécies de cigarras mais raras como “Jaguaris” e “Ziraldis”), acabando abandonada à própria sorte durante todo o inverno, num exílio político na Sibéria.

Se eu fosse a cigarra, entrava com um pedido de indenização ao governo federal, por todos os maus-tratos sofridos, desde o descobrimento do Brasil até agora.

Bom, pelo menos agora podemos dizer, sem medo, que todo piquenique tem formiga, assim como todo banquete tem corrupção.
Sérgio Lisboa.

domingo, 6 de abril de 2008

PREPARAÇÃO FÍSICA

Estava assistindo a uma matéria em que o famoso BOPE, a tropa de elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro, já retratada em um filme de muito sucesso, contratou um preparador físico, muito competente, por sinal, para dar-lhes preparo físico e trabalhar as articulações e os desgastes físicos que os mesmos enfrentam no seu dia a dia, prevenindo assim, futuras lesões que hoje contribuem para a baixa de um número considerável de policiais.

O trabalho desse profissional consiste em focar seus exercícios nas situações práticas que os policiais enfrentam no seu dia a dia, levando em conta, inclusive, o tipo de terreno e local onde estarão atuando.

Como o Rio de Janeiro, infelizmente, vive uma verdadeira guerra civil, com baixas dos dois lados, dizem, que o número de estiramentos provenientes de escorregões ao pisar nas vísceras dos mortos é muito grande e, inclusive, há um exercício específico para evitar essa lesão, considerada a maior causadora de afastamento dos soldados.

O dedo indicador é outro elemento anatômico que sofre muito o desgaste do constante uso, em função de ter que apertar o gatilho dos fuzis.

Esse trabalho, muito importante para a manutenção da saúde dos profissionais, logo será levado para outras profissões, que até então nem sequer pensavam na hipótese de terem junto de si, um preparador físico, principalmente se for levado em conta o custo que a perda temporária de um bom profissional acarreta.

A classe política já está abrindo um processo de licitação para a contratação de preparadores físicos (por enquanto estão sendo nomeados de forma emergencial, com um leve super-faturamento salarial), dada a necessidade que esse grupo tem de prevenções musculares específicas.

As partes musculares mais afetadas nos políticos, que gerou a necessidade destes profissionais são as mais variadas.

O dedo indicador, que é muito usado balançando lateralmente para negar com veemência qualquer deslize.

Além do dedo indicador, mais os dedos polegar e médio, que em conjunto, esfregando-se mutuamente, dão o sinal de que querem dinheiro.

Os músculos faciais também merecem uma atenção especial, uma vez que são forçados permanentemente a manter um eterno sorriso, mesmo quando a casa está caindo.

O pulso e a palma da mão sofrem muito também, pois são muito usados para dar tapinha nas costas dos eleitores e para aplaudir as outras autoridades.

Sem dúvida nenhuma, um músculo que merece uma atenção muito especial do treinador é a língua. A língua que é responsável pela maior parte do sucesso de um político. A língua é que faz ele arrancar o teu voto e é debaixo dela que ele esconde o salgadinho que você ofereceu (ele só come caviar) em sua casa, além de ser muito utilizada como garantia de emprego das estagiárias.

A maior dificuldade que o preparador físico terá de se preocupar com a questão da preparação física do político, é com o uso da linguagem técnica utilizada, sendo terminantemente proibida a expressão “trabalhar a musculatura”, uma vez que, trabalhar é um termo proibido entre eles.

Sérgio Lisboa.

TEMPO DE VIDA



Tem uma piada em que um médico diz para um paciente terminal, que ele tem só três meses de vida, e o paciente, ao dizer que pretendia pagar o tratamento com seis cheques mensais, o médico sai com essa:
- Tá bom! Seis meses de vida, então!

O ser humano nasce e já começa a sua luta até o fim de seus dias contra as várias doenças que o mundo disponibiliza. Até mesmo lá no útero, já está em contato com doenças ou problemas que porventura tenham surgido na concepção ou adquiridas da mãe.
Nascemos e vamos nos deteriorando aos poucos, desde o primeiro dia de vida.

Um pessimista dirá que não temos a vida inteira pela frente, e sim, a morte inteira nos esperando lá na frente. Então a nossa vida, por mais saudável que a levemos, marcará um encontro no futuro, com uma doença e, inevitavelmente, com um médico.

Sempre me chamou a atenção os casos em que os médicos decretam, proferem um “veredicto”, determinando um prazo máximo de vida aos seus pacientes. Eu sei que eles trabalham em cima da complexidade das doenças, de sua experiência, baseados em seu conhecimento acadêmico e científico e a mais forte das leis que é a lei das probabilidades.

Eu soube de uma história em que um médico disse a uma mulher que, com toda a certeza, não tinha mais do que seis meses de vida. Ela aceitou resignada e, a partir daí, mudou completamente sua rotina, passando a viver cada dia como se fosse o último, aproveitando cada minuto de seus últimos seis meses nessa vida.

Fez tudo o que sempre teve vontade, sorriu mais, brincou mais, viajou mais, se reconciliou e mudou radicalmente sua vida para melhor.

Nós estamos sempre sob a mira de pessoas que querem dar rumos às nossas vidas, com suas especialidades religiosas, políticas, científicas, técnicas, experimentais, sentimentais, etc., redescobrindo a roda a cada pneu furado.

Desde seu último encontro com o médico em que ouvira a pior coisa que alguém pode ouvir, o vaticínio de sua morte, quando ele havia lhe dito aquilo que todos, lá no fundo, mais tememos, que não viveria mais do que seis meses, ela respondeu que já se passava doze anos daquele encontro fatídico com seu médico. Doze anos! Onze anos e meio vivendo como se fosse morrer a qualquer momento.

Indagada se ela nunca havia pensado em processar o tal médico, ela olhou com o sorriso mais puro que já fora testemunhado e respondeu:
- Processar? Eu queria muito é agradecer a ele. Ele positivamente, transformou a minha vida.

Sérgio Lisboa.