Pintei um quadro que eu mesmo intitulei: “Aversão A Novelas”.
Resolvi pintar essa tela quando cheguei em casa, num final daqueles dias em que tudo o que precisamos é desabafar e conversar com alguém em quem confiamos para eles simplesmente te olharem e dizerem:
-Fique quieto que é o último capítulo da novela!
Pintar esse quadro foi a forma mais original e mais indignada que consegui para exteriorizar o meu repúdio, a minha indignação a essa verdadeira lavagem cerebral, a essa invasão de mentes, a essa massificação de pensamentos, a essa invasão de um Movimento Sem Terra, que tenta fazer uma redistribuição de áreas produtivas de seu cérebro.
Após terminar minha obra-prima, que levou o mesmo tempo do último capítulo da novela, que, diga-se de passagem, foi mais comprido que todos os demais trezentos e noventa e sete capítulos do ano, pude, finalmente, apresentar a minha mãe, para sua apreciação crítica, ao mesmo tempo em que esperava ao mostrar-lhe meu talento, dar uma lição do que é possível se fazer ao invés de perder seu tempo assistindo a coisas banais e sem sentido, como novelas.
Ela, então parou, e enquanto enxugava as lágrimas que derramou com a separação do casal de protagonistas e, principalmente de seu protagonista preferido, o ator Francisco Beltrão.
Apenas sorriu ao olhar para a tela, causando em mim, confesso, uma alegria e uma satisfação que nunca havia experimentado: a alegria de minha mãe por algo que eu havia produzido com minhas próprias mãos, sem interferências da televisão, de seus atores e diretores e, além de tudo, sendo uma obra de protesto pela massificação que quase havia engolido minha própria mãe.
Ela apenas disse uma frase, que para mim soou como a apreciação do próprio Leonardo Da Vinci reencarnado, me elevando ao seleto grupo dos imortais artistas plásticos de todos os tempos:
- Este morro com suas sombras me lembra algo familiar, disse ela.
- O quê ele te lembra minha mãe?
- Traços da pintura de Monet ou do maior mestre, Van Gogh?
- Não, meu filho! Parece a fisionomia de um ator de novelas.
- Já sei é a fisionomia do ator Francisco Beltrão!
Sérgio Lisboa.
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