sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

UM QUADRO COM EDIFÍCIOS



Qualquer pessoa, quando pensa numa tela para colocar na sala de visitas, pensa logo em uma paisagem paradisíaca, numa montanha, numa praia ou num jardim cheio de pássaros.


È a coisa mais natural do mundo (tanto as telas quanto pensar assim).


Eu não. Eu moro numa rua sem saída, ao lado de um mato tombado e preservado, cujos únicos ruídos que escuto são dos latidos dos cachorros, da festa dos pássaros e minha única vista é para o vizinho da frente e para o mato.


Então, fui em uma loja e comprei um quadro com um mar de edifícios, da maior cidade do mundo, uma foto noturna, para caracterizar bem a anti-natureza.


Levei uma hora para poder sair de lá, pois o vendedor tentava mudar minha idéia, me oferecendo, desde colibris voando sob o jardim, passando por icebergs flutuantes (dizendo que a imagem era tão real que era até possível substituir o ar-condicionado) e chegando a quadros de baleias (esses ele diz que vende muito para clínicas de emagrecimento como fator motivacional).


Parece loucura o que eu vou dizer, num tempo em que tentamos a todo custo preservar a natureza, resgatar valores campestres, fugir do concreto e do asfalto, ainda assim tenho momentos em que tudo o que quero é assistir qualquer coisa na televisão. Um desejo incontrolável de comer uma pipoca de micro-ondas, com aquele cheirinho de conservante de baunilha, abrir uma lata de sardinhas, derramando aquele óleo em torno dela, ler aqueles encartes de hiper-mercados, que anunciam desde meia soquete a tevê de plasma, sentar na cama, acompanhado de uma boa leitura, para nos desvendar alguns mistérios (o manual de instruções da câmera digital, para, finalmente, descobrir para que serve aquele botão vermelho).


Em certos momentos, tudo o que queremos é um pouco de artificialidade, de urbanidade, de poluição, de tecnologia, de modernidade, de...


Me perdoem, mas eu olhei para o lado e vi uma árvore gigantesca, cheia de flores laranjas, as mais lindas flores laranjas que alguém já viu, como que a me dizer: ”Termine a crônica que nós estaremos esperando”.


Por favor, não me levem a mal, mas minhas pipocas queimaram, minha lata de sardinha estufou e meu encarte do super-mercado serviu de privada para o gato, e o quadro dos edifícios, vai servir para lembrar que devo olhar para fora, mais seguidamente, e fitar a natureza.


Quanto ao botão vermelho da máquina digital, não faz mais diferença, pois já gravei, na retina, a eterna imagem das mais lindas flores laranjas, que alguém já viu.


Sérgio Lisboa.

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