sábado, 16 de fevereiro de 2008

EPOCLER



Há uns anos, era vendido nas farmácias, um remédio, que vinha em pequenos frascos, em dose única, chamado Epocler (era pronunciado com “e” aberto no final: clér).
Este remédio era indicado, segundo os anunciantes, como auxiliar na má digestão e nos excessos gastronômicos e etílicos, ou seja, desembrulhava o estômago e era bom para a ressaca, sendo amplamente comercializado em todo o país.
O povo adorava o Epocler, cujas propriedades curativas, segundo boatos, já alcançava até reumatismos e câncer de próstata (esse, se estivesse no estágio inicial, é lógico!).
Já havia até crianças batizadas com esse nome, bem sonoro, por sinal: Epocler.
Lindo, não? “Epocler! Vai chamar a tua irmã, a Novalgina!”
Foi uma época mais feliz do que muitas. Inflação lá em cima, instabilidade geral e o povo mandando ver no Epocler, para agüentar tudo isso.
Já teve até quem gritasse um dia: - “Epocler para presidente!”
Não sei se por causa disto, mas para a surpresa de todos, um dia o governo anunciou que tiraria de circulação o remédio Epocler, pois havia sido provado que o mesmo não passava de um suco barato e que não atendia os requisitos curativos a que se destinava.
Meu Deus do céu!
O que se viu naqueles dias, foi a mais tresloucada corrida das pessoas às farmácias, para comprar todo o estoque que ainda restava nas prateleiras, antes do mesmo ser recolhido.
O câmbio, naquele dia de crash da bolsa de inversão de valores, chegou a duas carteiras de cigarro para cada dose de Epocler.
Foram dias de glória para o Epocler.
Contrariando todas as evidências científicas e todos os padrões de razoabilidade, as pessoas querem acreditar, talvez porque, tudo o que elas possuem seja de fato a sua fé, a sua esperança naquilo que vêem como certo, do mesmo modo em que a filha, contrariando todos os apelos de amigas, irmãs, mãe, pai, avô, avó, cachorro e até da família do próprio, se casa com o maníaco do Parque.
O dono da igreja “Deus Tá No Teu Bico”, quando desmascarado, filmado, gravado, periciado, autopsiado, dizendo que criou aquela seita para fazer dinheiro em cima de alguns ingênuos, e em função disso, comemora-se, que pelo menos aquela seita se desintegre e desapareça, os seguidores alegam que estão sendo atacados por satã, que quer desviá-los do caminho certo e que, com o líder ou sem ele, eles vão levar adiante a pregação.
Tem coisas que são imponderáveis, mas pelo menos, fica mais fácil entender o porquê do fascínio pelo Epocler, pois em caso de um mau casamento, uma escolha religiosa errada ou o convívio diário com as mazelas que nos cercam, é preciso ter sempre, à disposição, um bom remédio para o estômago e para ressaca do dia seguinte, do resto de nossas vidas.
Sérgio Lisboa.

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